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Tecnologia, inovação e desigualdade social

 

 

                                                                                                                      Antonio Heberlê

 

 

Estamos vivendo o que se convencionou chamar de terceira revolução industrial ou revolução técnico-científica, demarcada pelo desenvolvimento industrial com aplicação de tecnologias de ponta em todas as etapas produtivas. Ou seja, tecnologias que embutem técnicas e processos que lhe conferem alto valor de mercado e que representam, hoje, um dos mais promissores negócios de âmbito global, especialmente com as regras de patenteamento e propriedade intelectual que se espalharam pelo mundo e garantem que o “inventor” recolha seus lucros.

 

Trata-se de uma nova fase produtiva, que já não se limita a produtos de pouco valor agregado, como nas revoluções industriais anteriores. Nesta nova ordem, ganha o conhecimento inovador, no qual foram gastos muitos anos de estudos e pesquisas e que conferem elevados valores ao produto final. Note-se que o grosso da matéria-prima, aqui, é o próprio conhecimento, ou a informação qualificada.

 

Não por acaso as tecnologias que brilham são as que estão ajustadas aos novos circuitos de computadores, menores e mais eficientes, como a microeletrônica, a nanotecnologia, o microchip,  o microtransmissor de circuitos eletrônicos de alta performance. Tudo que cabe na mão ou se adere ao corpo e/ou se move ganha status com facilidade e, assim, entra no mercado com velocidade assustadora, como transmissores de rádio e televisão, telefonia fixa, móvel, internet, nanotecnologia e muitas outras inovações.  Observa-se que, no mundo capitalista, a inserção de tecnologias intensifica o trabalho, porque, na verdade, praticamente já não se pode desligar dele. Quem domina os processos de informação desse novo modelo da indústria acumula capital e, aos poucos, vai se tornando dono dos meios de produção e serviços, haja vista a mobilidade das corporações que hoje dominam os serviços de transmissão de todo tipo. São os mesmos que financiam novos produtos para geração de inéditas tecnologias de ponta, sempre a serviço da indústria.

 

Em contraponto com a realidade tecnificada e rica dessa revolução, aparecem os dados divulgados pelam Organização das Nações Unidas, que mostram outra face. Salientam que mais de 1 bilhão de pessoas vivem com menos de 1 dólar por dia (menos de 2 reais) e cerca de 2,5 bilhões vivem com menos de 2 dólares por dia (menos 4 reais). Cerca de 75% da população pobre mundial vive em áreas rurais e mais da metade da população extremamente pobre depende do trabalho nas lavouras e fazendas. Mais de 2 bilhões de pessoas sofrem de anemia, quase 2 bilhões tem uma alimentação deficiente em iodo e 254 milhões de crianças em idade pré-escolar apresentam deficiência de vitamina A.  De 146 milhões de crianças em países em desenvolvimento, uma a cada quatro crianças com menos de cinco anos estão abaixo do peso e correndo graves riscos de morte prematura. São l0 milhões de crianças abaixo de 5 anos que morrem todo ano. Cerca de 100 milhões de crianças em idade escolar primária não chegam à escola. Impressiona saber que 800 milhões de pessoas no mundo não têm as habilidades básicas de alfabetização e 2/3 delas são mulheres, de acordo com o Banco Mundial.

 

Mas, qual a relação entre esse mundo tecnológico e inovador e os dados da ONU. Acontece que ao induzir a inovação, pelas regras do mercado, o Estado relega sua função essencial através da qual regula as forças objetivas de desenvolvimento, sob sua responsabilidade. Julgamos que a maioria de desenvolvimento não depende de inovação, mas de informação elementar, há muito conhecida, relativa a procedimentos de melhoria de processos internos e agregação de valor aos produtos, o que pode acontecer com um processo de interação dos diferentes agentes interessados no desenvolvimento e o setor produtivo, articulando e, assim, aproximando a relação entre o ambiente interno e externo às unidades produtivas mais carentes. 

 

Para compreender porque pessoas passam fome e isso acontece também no campo é preciso saber da complexidade que é produzir alimentos num país como o Brasil, que começa com a especificidade da região produtora e tem vários fatores propulsores e outros tantos limitantes. Todo o risco fica por conta do produtor, e a possibilidade de falir e/ou perder a propriedade é constante. Mesmo diante de boa produção, geralmente o processo se estrangula na componente logística, que requer práticas de intercâmbio tecnológico que oferte informação boa, que apresente soluções corretas na hora certa. E isso não acontece e os prazos são curtos. Somente a primeira parte deste complexo, a produção, está sob domínio do agricultor, que luta sempre com os fatores incontroláveis, como as condições do tempo e do mercado, por exemplo. 

 

Inovação, neste circuito que lida com muitos fatores imponderáveis, é um componente que por si não resolve os problemas das pequenas unidades produtivas ou de comunidades de risco. Afinal, não se pode negligenciar que a mudança tecnológica resulta em algum tipo de impacto que está condicionado pelo controle social sobre os meios de produção e pela organização do processo de trabalho e da divisão social da mão de obra. De um lado, portanto, as tecnologias fruto da inovação são poderosas ferramentas de mudança social, mas, por outro, podem ser apenas um argumento, um discurso que esconde uma parcela significativa dos agudos problemas mundiais que exclui parte da sociedade, a que passa ao largo das evoluções. Estreitar essa realidade é, sim, o desafio de sempre, mas que deve ser assumido como prioridade.     

 


Antônio Luiz Oliveira Heberlê possui graduação em Comunicação Social-Jornalismo pela Universidade Católica de Pelotas-UCPel (1982), mestrado em Comunicação Social pelo Instituto Metodista de Ensino Superior (1986) e doutorado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2005). Desde 1986 é pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, junto à Embrapa Clima Temperado, em Pelotas, onde desenvolve quatro projetos de pesquisa relacionados à transferência de tecnologia e comunicação. Professor da Universidade Católica de Pelotas deste 1988, ministra disciplinas de pesquisa, telejornalismo e semiótica. Dirigiu por duas oportunidades a Escola de Comunicação Social da UCPel e por mais de 10 anos a Área de Comunicação Empresarial da Embrapa Clima Temperado. Atualmente dirige a TV Universitária (TV UCPel). Tem experiência na área de videodifusão e edição de jornal impresso. Suas áreas de interesse em pesquisa estão voltadas principalmente para os seguintes temas: jornalismo científico, divulgação científica, comunicação social e semiótica.

Contato: heberle@cpact.embrapa.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

HERBELÊ, A.L.O.  Tecnologia, inovação e desigualdade social. 2010. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2010_1/tecnologia/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 05/01/2010

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