Infobibos - Informações Tecnológicas - www.infobibos.com

A leucemia bovina: o produtor fazendo a sua parte

Vera Annes Ferreira
Alice Akimi Ikuno
Edviges Maristela Pituco
 

Representa um grande desafio a toda cadeia produtiva da bovinocultura brasileira a eliminação do Vírus da Leucemia Bovina (VLB) nos rebanhos. Nos animais, esse vírus causa a Leucemia Bovina (LB), que é uma doença infecto-contagiosa de caráter crônico e que tem um período de incubação de dois a cinco anos. A infecção provoca uma diminuição na produtividade e um aumento na mortalidade dos animais.

Atualmente, ela está distribuída em todo mundo, com diferentes percentuais entre países e rebanhos. Países da União Europeia como a Dinamarca, Suécia, Inglaterra e outros como Canadá e EUA têm programas sanitários para controle e erradicação do vírus.

O VLB causa uma infecção persistente nos animais e uma de suas estratégias para escapar do sistema imune e persistir na população é apresentar uma variação genética e se integrar ao genoma das células do hospedeiro, especialmente em linfócitos. Sua transmissão pode ser feita pela placenta, sêmen, colostro e leite, ou ainda por meio de animais, equipamentos, objetos ou áreas contaminadas.

Imagem por microscopia eletrônica do Vírus da Leucemia Bovina (x120150).

Antes mesmo do aparecimento dos sintomas da infecção a resposta imune dos bovinos infectados já está alterada. Esses animais produzem anticorpos específicos, que normalmente persistem por toda a vida, porém, isso não impede a formação de tumores em um percentual pequeno (1 a 5 %) da população com mais de quatro anos. Mais de 30% dos bovinos com VLB e sem sintomas têm uma linfocitose persistente (LP), resultado do aumento dos linfócitos circulantes. O VLB pertence ao mesmo grupo dos vírus HTLV-1 e HTLV-2 que são causadores de leucemia no ser humano, porém, até o momento, não foi verificada a sua transmissão para este último.

Nos Estados Unidos, na cadeia de produção do leite, a perda anual estimada causada pelo VLB é de 525 milhões de dólares. No Brasil, em vários estados, o VLB encontra-se amplamente disseminado no rebanho, com percentuais que variam de 20 a 50%, porém, o impacto econômico da infecção é pouco conhecido e deve ser acentuado principalmente na pecuária leiteira. Nos rebanhos de criação extensiva, como na maioria das propriedades de bovinos de corte brasileiros, a difusão do vírus ocorre de forma limitada.

Não há tratamento para a leucemia bovina. Em razão da amplitude de sua disseminação, da sua lenta evolução e do grande número de animais assintomáticos, o controle da doença deve ser feito pela adoção de medidas profiláticas, que limitam a disseminação do vírus, e medidas de controle, tais como o acompanhamento sorológico, isolamento e eliminação dos animais positivos. Os fatores que mais influenciam na variação das frequências de animais infectados são: o manejo intensivo do rebanho, prática usual na bovinocultura de leite, onde se encontra o maior percentual de animais positivos, e falta de adequadas medidas de biossegurança.

A boa notícia que temos para reduzir a infecção dos nossos rebanhos é que, apesar da LEB ainda não estar incluída nas campanhas sanitárias oficiais e de não haver o emprego de vacinas, se tem verificado um forte empenho dos produtores para o acompanhamento da ocorrência e controle do VLB com eliminação dos animais positivos. Esse monitoramento já apresenta bons resultados e mostra que em 2005, do total de amostras de bovinos analisadas pelo Instituto Biológico para a identificação do VLB (em média, para a pesquisa de anticorpo, são analisadas 3.000 soros/ano), provenientes de centrais de inseminação e de transferência de embriões das regiões Sul e Sudeste do país, o percentual de animais positivos para VLB, detectados por ensaios moleculares, foi de 15%. Percentual esse que vem gradualmente apresentando queda e alcançou, em 2009, o valor de 8%.

Em um trabalho de rastreamento para conhecimento das amostras que ocorrem nos rebanhos brasileiros dessas regiões, o qual empregou como critério a variabilidade na sequência de genes de um segmento do envelope viral reconhecido pelo sistema imune, pesquisadores do IB observaram uma limitação da variabilidade genética do vírus com a ocorrência de somente quatro genótipos do total de genótipos descritos em literatura e distribuídos mundialmente. Os genótipos 1 e 6 foram os mais predominantes e, em um percentual menor, os genótipos 5 e 7, este último só descrito em uma amostra na Itália. Neste estudo, não foram observados alguns genótipos descritos na Europa, USA, Costa Rica, Japão e na Argentina. Uma possível explicação para a predominância desses quatro genótipos seria que, desde 1990, pela ocorrência de encefalopatia espongiforme (BSE), o Brasil tem restringido importações de bovinos de vários países.

Esses resultados são estimulantes e mostram que a conscientização, o empenho do produtor com a adoção de medidas de controle e de biossegurança, assim como a detecção e retirada do rebanho dos animais positivos, já provocou uma redução no percentual de animais infectados e uma limitação na variabilidade da população viral. Essa variabilidade é uma das estratégias usadas pelo patógeno para burlar o sistema imune e a sua restrição facilitará o direcionamento de escolhas de novas e efetivas estratégias de prevenção e controle da infecção nos rebanhos bovinos.

Referências

Rodriguez, S. M.; Golemba, M. D.; Campos R. H.; Trono, K.; Jones L.R. Bovine Leukemia Virus can be classified into seven genotypes: evidence for the existence of two new clades. Journal of General Virology, v.90, p.2788–2797, 2009.

Camargos, M.F.; Stancek, D.; Rocha, M. A.; Lessa, L. dos; Reis, J.K.; Leite, R.C. Partial sequencing of env gene of bovine leukemia vírus from Brazilian samples and phylogenetic analysis. Journal of Veterinary Medicine. B, Infectious Diseases and Veterinary Public Health, v.49, p.325-331, 2002.

Camargos, M.F.; Pereda, S.; Stancek, D.; Rocha, M. A.; Reis, J.K.; Greiser-Wilke, I.; Leite, R.C. Molecular characterization of the env gene from Brazilian field isolates of Bovine Leukemia Vírus. Virus Genes, v.34, p.343-350, 2007.

Coulston, J.; Brandon, R.; Kumar, S.; Khan S.; Daniel, R.C.W.; Lavin, M.F. Molecular cloning and sequencing of an Australian isolate of proviral bovine leukemia virus DNA: Comparison with other isolates. Journal of General Virology, v.71, p.1727-1746, 1990.

Mirsky, M.L.; Olmstead, C.A.; Da, Y.; Lewin, H.A. The prevalence of proviral bovine leukemia virus in peripheral blood mononuclear cells at two subclinical stages of infection. Journal of Virology, v.70, p.2178-2183, 1996.

D' Angelino, J.L.; Garcia, M.; Birgel, E.H. Epidemiological study of enzootic bovine leucosis in Brazil. Tropical Animal Health and Production, v.30, p.13-15, 1998.

Origem: Instituto Biológico - www.biologico.sp.gov.br


Vera Cecília Annes Ferreira concluiu o doutorado em Microbiologia e Imunologia pela Universidade Federal de São Paulo em 1979. Atualmente é Pesquisador Cientifico VI do Instituto Biológico no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Animal. Em 2002, Recebeu o premio do mérito cientifico do governo do estado de São Paulo pela participação no projeto genoma da Xylella Fastidiosa. Atua na área de imunologia, com ênfase em imunologia celular e aplicada. Em seu currículo Lattes os termos mais freqüentes são: Molecular Immunology, Viral Immunology, Immunogenetic, Animal Diseases, Molecular and Immunologcal Diagnosis, Leukosis Enzootic Bovine, Salmonellosis, Mycoplasmosis.
Contato: ferreiv@biologico.sp.gov.br

 

Alice Akimi Ikuno concluiu a graduação em Ciências Biomédicas pela Universidade de Mogi das Cruzes, Brasil(1977). Atualmente é Pesquisador Científico III do Instituto Biológico no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Animal.
Contato: ikuno@biologico.sp.gov.br

 

Edviges Maristela Pituco possui graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Federal do Paraná (1982), mestrado em Patologia Experimental Comparada, área de concentração Patologia Bovina pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (1988) e doutorado em Medicina Veterinária pela Escola Superior de Medicina Veterinária de Hannover, Alemanha (1995). Atualmente é Pesquisador Científico do Instituto Biológico no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Animal. Atua na área de doenças infecciosas dos animais domésticos e medicina veterinária preventiva: viroses de bovídeos, diagnóstico diferencial de doenças vesiculares e da reprodução, desenvolvimento e aprimoramento de técnicas diagnósticas moleculares e sorológicas, epidemiologia e monitoramento sanitário dos animais de produção.
Contato: pituco@biologico.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

FERREIRA, V.C.A.; IKUNO, A.A.; PITUCO, E.M A leucemia bovina: o produtor fazendo a sua parte. 2010. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2010_2/LeucemiaBovina/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 16/06/2010