Sete bilhões de habitantes e a produção de biocombustíveis no contexto de biorrefinaria
Sete bilhões de habitantes. Este número marcou o ano de 2011. A vida
de cada ser humano, como a minha ou a sua, conta como 1 (um) nesta
cifra. Com esse número de pessoas no Planeta Terra vêm à tona
questões fundamentais a respeito de alimentação, suprimento
energético e sustentabilidade. Deste modo, o debate sobre “produção
de alimento versus geração
de energia” continua sendo um tema de debate que merece atenção da
sociedade e de profissionais que trabalham em pesquisa e
desenvolvimento de biocombustíveis.
Para a discussão desse tema, a primeira questão a ser considerada é
o fato de a produção extensiva de alimentos demandar grande uso de
energia, principalmente na forma de fertilizantes e de combustível.
Nos dias de hoje, o combustível é necessário para mover tratores,
colheitadeiras, caminhões, bombas de água, entre outras máquinas. E
os fertilizantes são indispensáveis para repor no solo os nutrientes
que as plantas retiram. O uso de calor e eletricidade também é
fundamental em diversos processos agroindustriais. Por estes
motivos, fica claro que para produzir alimentos para a população é
necessária a utilização de energia.
Por outro lado, há conflitos e guerras disputando petróleo, existe
fome na Terra e muitos alimentos podem ser transformados em
combustíveis. A complexidade da questão aumenta ao considerar que a
população mundial tende a crescer, estimando-se que atingirá 9
bilhões de habitantes em 2050. É importante notar também que a
população de países em desenvolvimento tende a mudar o padrão de
consumo, demandando mais alimentos, energia e diversos outros
recursos. Nações que possuem alta população em crescimento, como a
China, a Índia e, em menor proporção, o Brasil seguem este padrão.
Também é importante lembrar frases de conhecimento popular como: “se
todos os países consumissem como os Estados Unidos, seria necessário
mais de um Planeta Terra para suprir os recursos” e que “o petróleo
é um recurso finito”.
Neste contexto, é difícil de avaliar a questão sobre biocombustíveis
e alimentos. Ainda assim, existem dados que nos auxiliam a entender
a questão. Dentre os indicadores, um de maior importância chama-se
“balanço de energia”. O balanço energético é a razão da quantidade
de energia útil pela quantidade de energia gasta para obter a
energia de fonte específica. O valor do balanço de energia é
importante para se avaliar quanta energia é gasta para ter acesso a
certa fonte de energia, sendo necessário que esta quantidade seja
superior a 1 (um), pois caso contrário, mais energia seria gasta do
que a gerada.
O balanço de energia do etanol e produtos de cana-de-açúcar é de
cerca de 7. Para o etanol produzido a partir de milho, este valor
está entre 1 e 2. Deste modo, o etanol brasileiro coloca-se como
biocombustível estratégico para a matriz energética nacional, mesmo
com o fato de a cana poder ser utilizada para a produção de açúcar,
importante alimenta amplamente utilizado
in natura e em diversas
indústrias alimentícias.
Biocombustíveis podem ser produzidos a partir de alimentos ou de
matérias-primas não alimentares, chamados de biocombustíveis de
primeira e de segunda geração, respectivamente. Apesar de existirem
outras definições para as gerações dos combustíveis relacionadas aos
processos de produção e ao surgimento destes processos, a definição
relacionada às matérias-primas é útil para esta discussão.
Os principais biocombustíveis produzidos e comercializados no Brasil
atualmente, o etanol e o biodiesel, são produzidos principalmente a
partir de matérias-primas alimentícias, portanto são de primeira
geração. No Brasil, quase a totalidade do etanol é produzido a
partir de cana-de-açúcar. Já o biodiesel tem a soja como principal
matéria-prima no Brasil, correspondendo a cerca de 82% da produção
nacional de biodiesel no ano de 2010.
Por outro lado, biocombustíveis podem ser produzidos a partir de
matérias-primas não alimentares. Hoje, o sebo bovino e o óleo de
semente de algodão são insumos para a produção de biodiesel que
seguem esta linha, correspondendo respectivamente a cerca de 13% e
2% da produção de biodiesel no Brasil.
Outros processos têm potencial para produzir biocombustíveis de
biomassa não alimentar: o processo de produção do etanol celulósico,
que consiste na produção de etanol a partir de biomassa
lignocelulósica pelos processos de hidrólise da celulose seguida da
fermentação, e o processo “de biomassa para líquidos”, conhecido
como BtL (do inglês biomass to
liquids), que consiste na gaseificação da biomassa seguida da
síntese Fischer-Tropsch, que tem potencial para gerar combustíveis
semelhantes à gasolina, querosene de aviação ou diesel. Apesar de
muito esforço neste sentido, o etanol celulósico e a BtL ainda não
são produzidos em larga escala, pois têm encontrado diversos
desafios tecnológicos que impossibilitam sua aplicação. Contudo, vários esforços estão sendo realizados em pesquisa científica no mundo com a finalidade de viabilizar a produção industrial desses combustíveis. Apesar de não haver perspectivas de em quantos anos ou décadas esses processos serão economicamente viáveis, a produção de etanol de segunda geração e de BtL são possibilidades de obter combustíveis a partir de materiais lignocelulósicos diversos, inclusive a partir de resíduos que são abundantes na agricultura. Para a produção sustentável destes biocombustíveis, é importante que esta seja realizada em um contexto de biorrefinarias, visando ao aproveitamento máximo de matérias-primas e de energia e à mínima emissão de efluentes. Conceitualmente,
biorrefinaria pode ser entendida como “a instalação industrial que
integra diversos processos e equipamentos de conversão de biomassa
para obter combustíveis, eletricidade e produtos químicos a partir
de biomassa". Estas instalações visam ao máximo aproveitamento de
todas as correntes de biomassa, minimizando o volume de resíduos. A
indústria sucroalcooleira no Brasil é um exemplo de biorrefinaria,
pois nela são produzidos etanol, açúcar,
bagaço de cana utilizado para a geração de bioeletricidade, levedura
comercializada como ração animal e vinhaça que volta ao campo para
fertirrigação.
Considerando que o consumo de alimentos e energia continuará a
crescer em nível global, torna-se também importante e urgente que o
modelo da cana-de-açúcar seja aplicado em outras cadeias produtivas,
como a do arroz, soja, milho, entre outras. Do mesmo modo, é urgente
que novos produtos químicos e materiais renováveis sejam pesquisados
e desenvolvidos, fortalecendo o aproveitamento integral da biomassa.
Por fim, é importante ressaltar que providências podem ser
tomadas para minimizar o impacto da população crescente sobre os
recursos da Terra. Do ponto de vista individual, cada um de nós
pode tentar reduzir seu padrão de consumo, ação difícil em dias
que o estímulo ao consumo é incentivado. Do ponto de vista
científico e tecnológico, grande esforço de cientistas,
industriais e formadores de políticas públicas deve ser
realizado visando à viabilização de biocombustíveis de segunda
geração e ao máximo aproveitamento de matérias-primas e
resíduos, aplicando-se o conceito de biorrefinarias.
Leonardo Valadares Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte Dados para citação bibliográfica(ABNT): VALADARES L.; Sete bilhões de habitantes e a produção de biocombustíveis no contexto de biorrefinaria. 2013. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2013_2/setebilhoes/index.htm>. Acesso em: Publicado no Infobibos em 16/08/2013 |